Friday, October 26, 2012

Colóquio na Universidade do Minho aborda a questão dos «Judeus Portugueses no Mundo: Pensamento, Medicina e Cultura»


“Na chamada História da Filosofia, a nação judaica tem um lugar, como todas as demais nações, incluindo as que não tiveram o dom de escrever o que pensavam, mas esse lugar é geralmente considerado secundário, quando comparado com o significado do saber teológico e messianológico de Israel”.

J. Pinharanda Gomes

No dia 19 de Outubro último, demos por bem empregue o dia que passamos na Universidade do Minho, Campus de Gualtar (Braga), para assistirmos e participarmos no Colóquio «Judeus Portugueses no Mundo: Pensamento, Medicina e Cultura», onde se procurou reflectir sobre a grande ciência e o grande pensamento de autores judaico-portugueses, tendo sempre a consciência de que este é um património cultural riquíssimo que merece ser estudado pelos investigadores. Tal como era propósito dos organizadores – Professores Manuel Curado (Departamento de Filosofia) e Virgínia Soares Pereira (Centro de Estudos Lusíadas) da Universidade do Minho – alertar para o facto de que o contributo dos Judeus Portugueses para a história da cultura em Portugal dificilmente pode ser apoucado, dada a sua vastidão, denunciando, ao mesmo tempo, os aspectos mais infelizes da relação entre Judeus e Portugal que ofuscam muitas vezes este património. Por isso, com este Colóquio pretendeu-se despoletar um certo entusiasmo para o seu estudo.


Desta vez não iremos discorrer como pretendíamos ao sabor da nossa pena e da nossa mente (sendo que, até aqui, sempre procuramos explanar o nosso pensamento, à volta dos temas que abordamos), por forma a descrevermos um pouco mais os conteúdos das intervenções magistrais neste magnífico Colóquio. E foram elas: PINHARANDA GOMES, justificada a sua ausência por motivos de saúde, sendo a sua comunicação lida pelo Professor José Marques Fernandes, acabando por trazer a este Colóquio «Aspectos da Filosofia Hebraico-Portuguesa» – em substituição do título proposto no programa, que nos propunha um «Itinerário do Pensamento Judaico-Português» –, onde são abordadas as épocas medieval, renascentista, moderna e contemporânea, perpassando questões como no caso dos Hebreus, a Filosofia ser considerada estranha à missão judaica, que consiste em conhecer Deus e em dá-Lo a conhecer (no pensamento hebraico, Filosofia tem um irrecusável sinónimo: Teologia – pensar a Deus super omnia, sobre todas as coisas, seres, visíveis e invisíveis ideias), a diáspora hispânica, o cabalismo, a expulsão dos Judeus, as comunas judaicas, o manter integra a “Arca da Aliança”, Bento Espinosa, junção da Filosofia e da Teologia, radical naturalismo na comunidade judaica, António Ribeiro Sanches e a abolição da Inquisição; ANTÓNIO ANDRADE, onde nos falou do tema que envolvia o «Mestre Dionísio, Manuel Brudo e Amato Lusitano: Três Médicos no Exílio»; ELVIRA AZEVEDO MEA, abordando «Alguns Aspectos da Diáspora Judaica (Séculos XVI-XVII), onde acaba por nos recordar que o movimento expansionista na Europa é a Diáspora Judaica, sendo que a dos Judeus Portugueses se estendeu através do Mediterrâneo, levando à formação das comunidades judaicas-italianas e a sobressaltos existenciais desta gente, a que denominavam de Cristãos-Novos; JOSHUA RUAH, médico judeu portuense, explanaria «O Pensamento Científico Judaico-português nos Séculos XVI e XVII», reforçando a convicção da existência da Bíblia e não do Velho Testamento (segundo ele, forma corrupta de chamar à Bíblia para os Judeus, pelos cristãos) e trazendo à discussão diversos argumentos filosóficos – judaísmo espiritualista para o judaísmo racionalista – o critério da morte cerebral, sendo que a sede da vida não é o coração mas o cérebro, a noção de que a evolução científica é uma continuação da criação divina, a demanda do regresso à cidade de Jerusalém e a Diáspora, como a maior dispersão de um povo; JORGE MARTINS, substituiu a sua comunicação programada de «O Marranismo como Cultura: Práticas Criptojudaicas nos Processos da Inquisição (Sécs. XVI a XVIII)» para «Marranismo, cultura e identidade», debruçando-se, indelevelmente, sobre alguns dos interrogatórios “In Gerene” na Inquisição e os significados depreciativos nos dicionários de português acerca das palavras que se ligam ao conceito de judeu, judia, judaísmo, etc. (o que nos deixou perplexos), terminando com uma interrogação de Fernando Pessoa: “Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé?”; PAULO ARCHER DE CARVALHO, espelhou a sua comunicação em «Joaquim de Carvalho, os estudos judaicos e o esquecimento da Shoah», que o mesmo será dizer “holocausto”, a cultura filosófica e científica judaica, sendo que para Joaquim de Carvalho – Espinosa é um filósofo, interrogando-se em “que Deus é que Espinosa (para Paulo Archer, mais um teosófico do que um teólogo) acredita?”, reforçando a máxima de “Deus existe em tudo, mas não existe em nada”, a liberdade das filosofias e a luta pela liberdade, a expulsão de Joaquim de Carvalho da Universidade de Coimbra, por se tratar de um republicano histórico e frequentemente não-alinhado, obediente à sua própria consciência, sendo tenazmente perseguido por Salazar; JOSÉ EDUARDO FRANCO e CRISTIANA LUCAS DA SILVA, professor e sua doutoranda, deambularam pela «Distinção entre Cristãos Velhos e Cristãos Novos e a Questão Judaica em Portugal: Representações e Posições», lembrando a legislação pombalina que extinguia as diferenças entre cristãos-velhos (católicos sem suspeitas de antepassados judeus) e cristãos-novos, tornando inválidos todos os anteriores decretos e leis que discriminavam os cristãos-novos e impunham critérios de “limpeza de sangue”, a proposta do Pe. António Vieira a D. João IV, onde se declara favorável aos cristãos- novos e apresenta um plano de recuperação económica (estruturando a proposta, entre outras ideias, na preservação da independência de Portugal, admissão de judeus em Portugal, dado que os judeus portugueses enriqueceram outros reinos cristãos – os hereges são mais promíscuos que os judeus –, a liberdade religiosa como forma de levar à reconversão), batendo-se pela não divisão entre cristãos-velhos e cristãos-novos; RUI BERTRAND ROMÃO, falou sobre «Erro, Exame e Decisão em Francisco Sanches», fulcro do pensamento bracarense, filósofo-médico capaz de grandes sínteses, a sua ascendência judaica, o périplo de estudos pela Itália, o anti-aristotelismo e aristotelismo involuntária, fazendo ainda uma referência passageira à obra “Examen rerum”; MANUEL CURADO, professor anfitrião, numa alocução peculiar, a que já nos vai habituando, trouxe a este Colóquio «O Palácio do Sono do Doutor Isaac Samuda»; ADELINO CARDOSO, através dos «Requisitos do Médico Perfeito na Obra de Rodrigo de Castro O Médico Político» fazendo uma alusão à obra como sendo de ética médica, mas também uma obra mais ampla – jurisprudência – a questão da liberdade, alertando para o facto de Isaac Cardoso afirmar que “a filosofia começa por falar hebraico e não grego”, o médico deve começar pelas humanidades (retórica e dialéctica – arte que ajuda a pensar e argumentar – a anatomia, a terapêutica, etc.), a relevância da filosofia natural como sendo mestra do médico, tornando o acto médico enquanto tal um acto moral, relevando a certeza de que a arte médica aperfeiçoa a natureza do homem e a medicina é uma arte de tolerância, sendo que ninguém deve ser excluído por razões económicas e a prática da “mentira” utilizada com o medicamento, remetendo a verdade para os mais próximos do doente, comutando, assim, o médico como um cultor da alegria; JAMES W. NELSON NOVOA, com a comunicação «Leão Hebreu, Médico e Filósofo Português no Renascimento Italiano», de seu nome completo Jehudah Abravanel (1460-1521?) – filho de Isaac Abravanel (1430-1508) – filósofo marcado pelo espírito renascentista, de tendência sincrética, tentou mostrar o acordo da Bíblia com a filosofia grega, acaba por nos revelar que a obra principal deste médico-filósofo é “Diálogos de Amor”, onde o mesmo expõe a sua doutrina, segundo a qual o amor é o fundamento ontológico do real, concebido não apenas como sentimental, mas também como intelectual: deste modo pretende unificar fé e razão, embora deixando clara a prevalência da primeira; e, por fim, FERNANDO MACHADO, um dos maiores especialistas de Jean-Jacques Rousseau em Portugal (conhecemos-lhe a sua grande obra de referência “Rousseau em Portugal”), trouxe-nos «O despatriado Ribeiro Sanches na terra dos czares: débitos e créditos», referindo-se à pátria portuguesa como tendo sido madrasta para muitos dos ilustres pensadores portugueses e a Ribeiro Sanches como um dos homens mais lidos pelas comunidades científicas no século XVIII, contrastando o tratamento que teve na sua pátria e fora dela, aludindo aos cerca de dezassete anos que passou na Rússia, onde teve uma merecidíssima projecção científica, médica e académica, e onde chegou a ser nomeado médico dos exércitos imperiais.


Muito haveria para dizer – salvaguardando os “erros de simpatia”, tendo em conta que o que atrás descrevemos, é fruto da nossa apreensão e não “Ipsis verbis” dos comunicadores –, mas somos forçados a ficar por aqui porque, conscientemente, temos noção do quanto fastidiosos nos tornaríamos se cometêssemos a “leviandade” da pormenorização descritiva de todas as comunicações. Essa tarefa, diríamos científica, fica para a publicação das actas, prometidas para 2013. Tal como atrás referimos, concordamos plenamente com facto de que o contributo dos Judeus Portugueses para a história da cultura em Portugal dificilmente pode ser apoucado, dada a sua vastidão, sendo urgente estudar e dar a conhecer às novas gerações de universitários portugueses muitos autores cuja obra continua a influenciar e a inspirar o que fazemos em Medicina, em Filosofia e em muitas outras áreas da Cultura. E nesse dia 19 de Outubro de 2012, tendo como pano de fundo a Universidade do Minho, foi dado um grande contributo nesse sentido!

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