Friday, November 09, 2012

Arlindo Pintomeira mostra “Exteriores-Interiores” e “Outras Faces”


“Em conclusão, podemos dizer que nesta poética da composição artística, em que consiste «Interiores», Pintomeira isola as unidades mínimas da composição, tentando aproximar-se, o mais que pode, das formas de vida contidas na encenação dos objectos”.

Moisés de Lemos Martins

Pelas dezassete horas e trinta minutos do dia 3 de Novembro, foram inauguradas duas exposições – “Exteriores-Interiores” e “Outras Faces” –, em Viana do Castelo, do nosso respeitável amigo e extraordinário artista Arlindo Pintomeira, nos Antigos Paços do Concelho e na Galeria da Santa Casa da Misericórdia, respectivamente. As duas exposições estarão patentes ao público até 31 de Dezembro, o que significa que o envolvente à Praça da República será palco, tomando como nossas as palavras de Moisés de Lemos Martins, da “poética da composição artística” de Pintomeira, permitindo-nos, enquanto observadores sensíveis, explorar a natureza das nossas próprias emoções, por temos consciência de que a expressão bem-sucedida de uma emoção permite ao observador ganhar consciência dela; e a noção clara de que – como um dia escreveria Nigel Warburton – “o artista mostra aos observadores da obra de arte como expressar a emoção particular que se encontra na obra”. Já há muito tempo que Pintomeira tem conseguido criar em nós a útil magia da emoção, sem que para isso – e contrariando a sapiência redutora de alguns pressupostos eruditos de Arte – tenhamos a necessidade de “desfiar rosários” elementares ao conhecimento preconcebido, para usufruirmos da liberdade do “gosto”, da “imaginação” e da “visão”, como corolário da velha máxima: “a verdadeira obra existe na forma de ideias na mente do seu criador, e na mente de quem está a apreciar a obra”. Temos vindo a apreciar a arte em Pintomeira, valendo-nos também do factor da “imaginação”, tendo em conta que – para R. G. Collingwood – “uma verdadeira obra de arte é uma actividade total que a pessoa que dela desfruta apreende ou tem dela consciência pelo uso da sua imaginação”. E esta nossa actividade imaginativa não é somente visual, mas também emotiva, porque percepcionamos, apreendemos e deixamo-nos envolver pela criação do artista. Mesmo que não bastasse tais “predicados”, só por isso (actividade imaginativa) Arlindo Pintomeira é para nós um artista que nos agrada profundamente.
Porque já nos alongamos em demasia nas considerações “sensíveis-pessoais”, e sem nos querermos envolver na crítica elaborada que, a nosso modesto ver, é dada “estatutariamente” ao mundo da arte e seus entendidos, apenas nos apraz registar os bens elaborados textos “crítico-literários” de José-Luís Ferreira (sociólogo, escritor, investigador de arte) – A sua linguagem pictórica, criada a partir de evidências imagéticas contextuais ou, deliberadamente, (des)contextualizadas, adquire-se (ou provém) de um constante e requintado exercício radical de exploração pangeométrica, buscada em pressupostos íntimos duma génese anímica e (re)invencional da imagem de alto contraste, com o objectivo da sua transposição, sob pretextos de equilíbrio óptico, obedientes a um doseamento compositivo secreto (…) – e de Moisés de Lemos Martins (professor da Universidade do Minho) – Existe hoje na pintura de Pintomeira este esplendor dos objectos, uma poética que inscreve o humano naquilo que o não pode ser. O seu sistema de objectos faz-nos pensar numa “autopoiesis”, que age no mundo como uma unidade autónoma que se auto-engendra –, inseridos do catálogo da exposição “Exteriores-Interiores”; e os de José Paulo Leite de Abreu (director do Museu Pio XII) – Na obra de Pintomeira sobressaem também os contornos, que focam o olhar do interlocutor, sublinham centralidades e funcionam como útero onde se esconde e defende o essencial da mensagem a transmitir – e de Moisés de Lemos Martins (professor da Universidade do Minho) – Com o desenho de linhas e o alinhamento de pontos, Pintomeira figura cordas físicas e tácteis. As linhas, tal como os pontos alinhados em recta, são então cordas tensas, abrigos contra o abandono, a impessoalidade e o isolamento. O artista entrançou-os num tecido a que nos liga –, no que toca à exposição “Outras Faces”. Escolhemos estas citações porque, de certa forma, vão de encontro aos nossos iniciais devaneios da sensibilidade emocional.


Para os mais incautos, convenhamos em dizer que Arlindo Pintomeira nasceu na Limiana freguesia de Deocriste, Viana do Castelo, em 1946. É na cidade de Viana que, em 1966, realiza a sua primeira exposição na Galeria da “Livraria Divulgação” (hoje Bertrand). Desiste da sua formação em arquitectura e ingressa, em 1967, num dos mundos que mais o fascinava: o da pintura. O outro era o cinema, uma paixão dos tempos do Liceu. Vai para Lisboa, frequenta um atelier colectivo na Mouraria onde encontra o pintor surrealista Raul Perez. Convive mais tarde com Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros do movimento surrealista português. Anos mais tarde, mais exactamente em 1972, e após uma curta passagem por África, parte para Paris na companhia da pintora e modelo holandesa Marijke de Hartog que conhece em Portugal e com quem casa em 1976, em Amesterdão. Os dois fixam-se na capital holandesa. Abortada a possibilidade de inscrição na “Nederlandse Filmacademie” ( Academia de cinema da Holanda), razão primeira que o levou a deixar Portugal, Pintomeira frequenta em 1978-1979 a CREA (Studentencentrum van de Universiteit van Amsterdam) onde estuda pintura e cinema. Após algumas exposições na Holanda, faz em 1978 a sua primeira exposição em Paris, na “Galerie Entremonde”. No mesmo ano participa no “Salon Metamorphoses” em homenagem a René Magritte realizado no “Grand Palais” de Paris. Com esta participação, termina o seu período surrealista.
Durante a década de 80, no seu atelier em Amesterdão, Pintomeira recebe várias influências, sendo a mais marcante a do grupo CoBrA (agregação das letras iniciais das cidades de Copenhada, Bruxelas e Amesterdão) e do qual fazem parte grandes nomes como Karel Appel, Corneille, Asger Jorn e Lucebert. Algumas influências desse movimento, como as texturas espessas, o desenho automático, as cores vivas e primárias do expressionismo em combinações complementares, e ainda os motivos simples e depurados com algumas ligações ao surrealismo e á arte primitiva, acompanharam o artista durante grande parte da sua obra.
Na década de 90 inicia uma fase de estilização e depuração da figura que consiste no constante exercício e experimentação à volta do contorno, tornando-o preponderante através do seu alargamento, prolongação e multiplicação; em 1999 Pintomeira deixa Amesterdão e regressa a Portugal. O trabalho que realiza no seu novo atelier no norte do país, dá origem um um vasto conjunto de obras figurativas, ainda com influências do grupo CoBrA e que denomina de “Nova Linha”; entre 2003 e 2010, e alternando com “Nova Linha”, Pintomeira produz também um vasto trabalho sobre tela e papel a que dá o nome de “Faces”; o ano de 2007 marca uma viragem acentuada na sua obra figurativa. As influências CoBrA e os contornos desaparecem. O tema “Interiores” apresenta trabalhos próximos da “Pop Art” com influências do design gráfico. A figura está manifestamente presente e as cenas de interiores denunciam representações teatralizadas. Neste sistema de objectos sobressaem o palco, a tela e a encenação; em 2009 e 2010 é produzido o tema “ Outras Faces”; conjunto de obras realizadas em impressão digital e acrílico sobre tela e que nos transportam para uma nova “Pop Art”; e, finalmente, em 2011 surge “Exteriores” que vem complementar “Interiores” produzido entre 2008 e 2009. É composto por uma série de trabalhos que reúnem figuras do quotidiano em encenações urbanas, atravessando passadeiras de rua, onde a sinalética rodoviária é fortemente explorada.
Terminaremos, agora sim, recordando que desde 1966 e até à actualidade Pintomeira tem no seu currículo uma quantidade enorme de exposições individuais, em Portugal e no estrangeiro. Entre 1971 e 2010 participou em várias exposições colectivas, bienais e feiras de arte, tanto em terras lusas como noutros estados europeus. Está representado em várias colecções institucionais, colecções públicas e privadas em diversos estados da União Europeia, nos Estados Unidos e Israel.
Aqui fica um apelo: procurem fazer uma visita às duas exposições e deixem-se envolver pela mística das pessoas interessadas em obras de arte e não apenas na ideia de arte. Desse mal padecemos nós, porque, infelizmente, carregamos o “martírio” de sermos bibliófilos, condicionante circunstancial de apenas nos ficarmos pela ideia de arte, em detrimento do interesse em obras de arte… Beati possidentes!

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