Sunday, December 02, 2012

Em homenagem a Amadeu Torres, reeditado “O meu caminho é este” de Castro Gil


“Elaborado depois de receber «uma luzinha para não errar», este código quase dogmático que terçara, a todo o instante, contra turbulências várias e enigmáticos percursos, como luzeiro amainante e revigorador, não podia perder a vivacidade antes do tempo, na visão sentida do autor”.

Alípio Rodrigues Torres

Precisamente, no dia – 25 de Novembro – em que Amadeu Rodrigues Torres (1924-2012), nosso amigo/irmão e eterno confidente, completaria oitenta e oito anos de idade, a Câmara Municipal de Viana do Castelo e a Junta de Freguesia de Vila de Punhe (Viana do Castelo) prestaram-lhe uma justa e merecida homenagem, que teve lugar na Terra Natal deste ilustre e incontornável homem da ciência e da linguística, mesmo a nível internacional. Justificar ou patentear esta afirmação – dado que a não fazemos de “ânimo leve” –, levar-nos-ia a discorrer pela sua vastíssima obra científica e pelas dezenas de academias em que tinha assento, muito bem demonstrada pela extraordinária intervenção de Rui A. Faria Viana, director da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, que naquele dia (e ao contrário do que alguns perniciosos à cultura e à memória de Castro Gil têm procurado empacotar a dimensão intelectual deste vulto da nossa região, com mastigados conceitos, disfarçados de eruditismo, para explicar o que é imperceptível a todos e talvez a eles próprios, como forma de se pavonearem em multifacetadas dimensões intelectuais, que não possuem) nos fez uma retrospectiva da vida e obra do homenageado, de uma forma clara, cientificamente irrepreensível e honestamente elaborada. Sabemos, por lhe conhecermos o âmago, que o Professor Doutor Amadeu Rodrigues Torres (Castro Gil), se fosse vivo, iria gostar de ouvir e, por certo, como emérito académico que era, lhe atribuiria nota máxima. Mas, o ponto alto desta extraordinária homenagem, que contou com a presença de diversas personalidades ligadas aos meios civis e religiosos, foi a apresentação pública da edição fac-similada da 1.ª edição (1948) do excelso brado poético de Castro Gil, “O meu caminho é este”, numa edição da Câmara Municipal de Viana do Castelo, artisticamente elaborada pelo competentíssimo e inspirado designer Rui Carvalho, com mensagem do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, José Maria Costa, e preâmbulo do irmão de Castro Gil, Alípio Rodrigues Torres.

Abriu a sessão em homenagem a Castro Gil, o Presidente da Junta de Vila de Punhe, António Moreira

Nesta edição de “O meu caminho é este”, começamos por referir que o preâmbulo de seu irmão, Alípio Torres, justifica a nossa profunda deferência, pela extraordinária qualidade crítica-literária, beleza de escrita e sentimento de memória e gratidão: «Sempre fiel aos princípios escolhidos, só a “vitória completa e mais precisa – A eterna recompensa, a luz dos céus”, ou seja, o retorno à Origem, em quem sempre confiou (9 de Fevereiro 2012), tornara viável que a primeira publicação há muitas décadas inexistente no mercado, “O meu caminho é este”, enfarpelada segundo os ditames modernos, ressurgisse, por iniciativa da Câmara Municipal de Viana do Castelo, na altura em que Castro Gil completaria oitenta e oito anos de vida, como prenúncio de que os seus trabalhos continuarão a irradiar, desde já, emblemáticas lições de perenidade». Para nós, este preâmbulo representa uma pincelada aguarelada de sentimento e perscrutação da alma do poeta, «qual “Romeiro de beleza e simetria…”, vivendo numa “angústia constante de nunca saciar a sede requeimante” de completar sonhos diversos, como adiantara aos oitenta e dois anos: – “falta ainda muito, a começar por um conjunto grande de artigos, estudos e outros trabalhos… nunca reunidos até hoje” –, das recordações nostálgicas e de um passado saudosista, e não recuperável, numa segunda fase, inspirado pela “viagem real e o contacto com o mundo, seja o plurifacetado da natureza, seja o multívolo das civilizações do que resultou uma poesia predominantemente de fora para dentro”, tanto trata o impacto da monumentalidade e dos saberes, como o desencanto humano e seus retrocessos, as injustiças e as práticas duvidosas». Retrato fiel das “canseiras cognitivas” de quem se inspirava viajando e auscultando outras civilizações, que já se faziam adivinhar em “O meu caminho é este”, como um “caminheiro das estradas direitas e tortuosas,/ Das estradas brancas de sol ou negras de ilusões…/ No bornal anda-me o pesadume de muitos séculos”. E que poética pena – não de penúria, mas de inspirada escrita – a de Alípio Torres produziria a génese de Castro Gil: “Para quem, em idade de jovens incertezas, de encruzilhadas múltiplas e de dúbia existência, introspectivara, séria e reflexivamente, até aos ínfimos graus e linhas, um projecto a desdobrar ao longo da vida e pré-definiu, em englobantes parametrias, as temáticas rumativas de contornos axiológicos a desenvolver, qualquer baliza, ainda que só parcialmente cerceadora do contínuo fluir do pensamento realizativo, mesmo que de reafirmações de vetustos valores se tratasse, assinalaria uma nova etapa a começar”… Simplesmente sublime!

A nossa curta intervenção em homenagem a Castro Gil
 Falar de “O meu caminho é este” é falar da alma do poeta, ainda que envolto em “indecisões, avanços e recuos” e fechando-se no silêncio a meditar, sempre acreditaria que, a partir dali, o seu caminho era o de “louvar a Deus, sofrer, sorrir e fazer versos!...”; do “Bem e da Beleza e da Virtude!...”, sem temer andar descalço no brasido; dos “bosques humanos, os povos, as florestas de gentes”, quais sentidos diferentes atravessados “por hienas, tigres, chacais e camaleões de circunstância”; da inspiração filosófica da “perfeição absoluta, Actividade/ Sem mescla de potência, ó mar de Ser/ Que eu lograria apenas compreender,/ Se o finito abarcasse a infinidade…”; do “Deus da infância,/ A voz severa e justa da razão,/ As alegrias sãs/ Do coração”; do “coração que bata com coragem,/ Não por si…, e que anseie, em lances tais,/ Fugindo a merecida vassalagem,/ Ser humilde vassalo dos demais”; do coração que olha para fora; do poeta que lê versos no céu, ao luar sozinho; da “alegria daqueles que sabem fazer das mãos/ Caídas, nervosas ou enclavinhadas pela dor,/ Uma miniatura ascética de heróica montanha/ Por onde subam orações e olhares ao Senhor…”; da “nuvem desherdada” que encobre o azul do firmamento; do caminheiro das estradas direitas e tortuosas; do coração “em fome e algoz secura”; do “augusto murmurar”, da alva e belíssima harpa eólica; do estender da “mão a quem por ti chamar”; das portas discretamente semicerradas, das cortinas de carvão e sanefas de piche; do cheiro a cera, do relógio da sala, de bater aéreo; do céu pesado e traiçoeiro, sendo que nesse dia “morreu meu pai!”; do rio que corre desprezando a beleza da paisagem; do poeta que é poeta mesmo e não “cantor fingido de emprestada lira”; da alma que chora e do mundo como uma fornalha de tortura; da morte do dia como morre a gente; do fazer dos braços arcos em ogiva; dos horizontes belos, “de manhã primaveril,/ E andam perfumes de Abril/ Incensando a mocidade…”; das mãos – fadas de sonho e luz – “que não sabem fazer mal a ninguém”; da “face amarela da lua soturna,/ Que faz o sorriso de nome luar,/ Sentindo a agonia da larva nocturna,/ Desmaia a chorar…”, etc., etc. E as sublimes homenagens a José Régio, com o “Canto da Alegria”, e a António Corrêa de Oliveira, com “Poeta, reis de poetas…”?!... Então o poema a sua mãe, comove-nos profundamente… De facto, neste maravilhoso brado poético de Castro Gil “ser poeta é ver as coisas/ que os outros vêem também;/ mas senti-las, cá por dentro,/ como não sente ninguém”.
Congratulamo-nos com o testemunho deixado pelo Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, na mensagem introdutória ao livro, ora reeditado: “Viana do Castelo evoca desta forma singela o insigne professor, o conceituado investigador de estudos humanísticos e linguísticos, o editor e autor de inúmeras edições e trabalhos científicos e o inspirado poeta”.
A nossa última palavra de profunda gratidão vai para Maria José Guerreiro, vereadora do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Viana do Castelo, pelo empenho, sensibilidade e discernimento que emprestou à realização deste maravilhoso “caminho” que nos leva à perenidade da Cultura.

Quiçá, se “O meu caminho é este” não é o reflexo ou o espelho dos nossos próprios passos, convergentes e, no dizer de Castro Gil, “pergaminho de um Povo de imortais”. Os poetas não morrem e… “nec plus ultra”.

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