Saturday, June 08, 2013

A essência do homem em geral em Ludwig Feuerbach!

“A religião repousa na diferença essencial entre o homem e o animal – os animais não têm religião. É certo que os mais antigos zoógrafos, desprovidos de crítica, atribuíam ao elefante, entre outras propriedades elogiosas, também a virtude da religiosidade; só que a religião dos elefantes pertence ao mundo das fábulas”.

Ludwig Feuerbach

Só porque vivemos um dos períodos mais conturbados do entendimento da verdadeira essência humana e do fenómeno religioso como criação humana – atente-se ao facto de o Papa Francisco se permitir aventar a “salvação” mesmo para os ateus, sendo desautorizado (ou desacreditado) de imediato pelo porta-voz do Vaticano, Thomas Rosica, quando afirma que pessoas que conhecem a Igreja Católica “não podem ser salvas” se recusarem-se a entrar nela ou fazer parte dela –, resolvemos fazer, esta semana, uma pequena reflexão à volta do filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804-1882), cujo nome está ligado à influência que exerceu sobre o pensamento de Marx, à primeira tentativa de oposição ao hegelianismo e à primeira crítica da religião como alienação do homem de e por si próprio. E tomamos por referência reflexiva A Essência do Cristianismo, pelo facto desta obra se apresentar como um dos textos fundamentais do século XIX, tendo em conta que a sua importância vai muito mais para além desse “postulado”, dado que se constitui, também, numa obra (que lhe viria a conferir notoriedade) de referência obrigatória em todas as interpretações que nos conduzam ao fenómeno da religião. Para confirmar tal convicção, como afirma Adriana Veríssimo Serrão na apresentação desta obra – também por ela traduzida –, “bastaria ter em conta a imensa série de estudos, comentários e refutações que não mais deixaria de suscitar, desde a sua publicação em 1841, até aos nossos dias”. Nesta mesma obra, Feuerbach encontra o fundamento da articulação entre identidade humana e o divino, ou seja, por outras palavras, o fundamento da íntima articulação e da identidade essencial entre o humano e o divino.       
Remetendo-nos à essência do homem em geral, Feuerbach começa por formular a diferença entre o homem e o animal através da consciência, sendo que para ele, onde existe consciência, existe capacidade para a ciência. Não significa com isto que Feuerbach recuse tal consciência – enquanto “faculdade de diferenciação sensível, de percepção das coisas exteriores segundo certos traços perceptíveis” – aos animais. Para o filósofo alemão, isso só acontece porque o animal é objecto para si enquanto indivíduo, mas não enquanto género, faltando-lhe a consciência que deriva de ciência. A ciência afirma-se como a consciência dos géneros. Não é por acaso que Feuerbach afirma que “na vida lidamos com indivíduos, na ciência com géneros”, e só “um ser que tem como objecto o seu próprio género, a sua essencialidade, pode tomar por objecto outras coisas ou seres segundo a sua natureza essencial”. Assim sendo, à vida dupla do homem, contrapõe-se a vida simples do animal, dado que, neste último, a sua vida interior coincide com a vida exterior. Por outro lado, no homem a vida interior é a vida em relação com o seu género – entendendo-se como verdadeiras funções genéricas, o pensar, o falar, etc. –, com a sua essência universal, enquanto no animal não há lugar à função genérica sem um outro fora dele. O homem goza dessa função genérica, dado que “é para si ao mesmo tempo eu e tu; pode colocar-se no lugar do outro, precisamente porque tem como objecto, não apenas a sua individualidade, mas o seu género, a sua essência”. É esta essência que leva à consciência do homem a religião em geral, enquanto idêntica à própria essência do homem (consciência de si).
 

Até na consciência do infinito, a religião ao não ser – e/ou ao não poder ser – outra coisa senão a consciência que o homem tem da sua essência, acaba por lhe conferir, também, uma essência infinita. Por outras palavras, parafraseando António José de Brito, a essência do homem sendo “universal, infinita, ilimitada, ao contemplar-se crê existir um ente universal, infinito e ilimitado face a ele, que é Deus. A ideia de Deus é, assim, o começo do autoconhecimento do homem por si mesmo”. Feuerbach, servindo-se do exemplo da “consciência de uma toupeira” – contraposição entre vida dupla do homem e a vida simples do animal –, chama-nos à atenção para as suas vida e essência limitadas a uma espécie determinada de plantas, conferindo-lhe assim um domínio limitado: “Ela [toupeira] diferencia estas plantas de outras, mas mais não sabe”. Por se tratar de uma consciência limitada – mas infalível e segura justamente devido ao seu carácter limitado –, não lhe atribuímos o nome de consciência, mas instinto. Para este filósofo alemão “consciência em sentido estrito ou próprio e consciência do infinito é o mesmo”. Assim sendo, consciência limitada não é consciência. Para Feuerbach, “a consciência é, por essência, de natureza infinita” e a consciência do infinito é a consciência da infinitude da consciência. Ou, por outras palavras do mesmo filósofo, “só na consciência do infinito é que o ser consciente tem como objectivo a infinitude da própria essência”.
Questiona-se a partir daqui, o que é a essência do homem, da qual ele tem consciência, ou o que é que constitui o género, a humanidade propriamente dita do homem? Para Feuerbach é a razão, a vontade, o coração, dado que um homem para ser completo tem que, necessariamente, possuir a força do pensar (luz do conhecimento), a força da vontade (energia do carácter) e a força do coração (amor). Ainda segundo este mesmo filósofo alemão, razão, amor e força de vontade são perfeições da essência humana, a que denomina de perfeições essenciais absolutas. Apesar do homem existir para pensar, para amar, para querer, o fim último é o seu verdadeiro fundamento e origem. Feuerbach afirma, assim, a nossa condição de sermos livres, precisamente pelo facto de pensarmos para pensar, amarmos para amar, querermos para querer. Para ele o fim da razão assenta na razão, do amor no amor e o da vontade, na liberdade da vontade. Logo, um “verdadeiro ser é um ser que pensa, ama e quer. Verdadeiro, perfeito, divino é apenas o que existe em função de si”.
Pena é que alguns dos “detentores do poder religioso” não consigam interpretar as duas faces da atitude religiosa, no “dixi” de Adriana Veríssimo Serrão, interpretando Feuerbach: “por um lado, uma análise de tipo psicológico que desvenda mecanismos profundos da subjectividade inconsciente, como o são o impulso para a felicidade e o anseio da vida eterna, desejos que a imaginação concretiza ao criar as diversificadas imagens das entidades divinas. Por outro lado, a ênfase colocada no sentido prático e existencial da vida humana, na qual o sentimento revela possuir maior força e maior poder que o tranquilo exercício da actividade teórica do conhecimento”.
      É nesse sentido que, tendo em conta a intuição estética ou o estado de espírito moral, continuamos a acreditar que o “Céu” é para todos. Negar esse “direito” é negar a própria existência de “Deus”, onde foram fundidos todos os nomes divinos isolados, concretos e individuais, no único nome do SER! 

1 comment:

Jéssica Silva said...

Um post muito interessante, gostei :)
Beijinhos :)