Friday, July 12, 2013

A imaturidade de uma “aporética” república sem rumo!

“Portanto, a injustiça parece ser uma força tal, em qualquer entidade em que se origine – quer seja um Estado qualquer, nação, exército ou qualquer outra coisa – que, em primeiro lugar, a incapacita de actuar de acordo consigo mesma, devido às dissensões e discordâncias; e, além disso, tornam-na inimiga de si mesma e de todos os que lhe são contrários e que são justos”.

Platão (A República, 352a)

Escrevíamos nós em Junho de 2012, numa das nossas crónicas “Ao correr da pena e da mente…”, que a descredibilização da política estava – e continua a estar – aí instalada e pela voz sonante dos que se serviram da política para evoluírem, tão só, financeiramente. Quando aqueles que se “masturbaram” através da política, e nos deixaram neste estado de coisas, vêm agora a terreiro libertar “cobras e lagartos” a propósito de conjunturas, imbróglios e cozinhados neoliberais, estamos seriamente acometidos pela conflitualidade dicotómica entre o Estado de Natureza – discernível através da razão – e o Estado de Guerra, sendo que o primeiro, segundo John Locke, leva-nos a um estado de perfeita liberdade e de igualdade “por nos encontrarmos inicialmente num estado de abundância, e não de escassez, e com um pressuposto implícito de que, muitas vezes, as pessoas estarão directamente motivadas para obedecer à lei moral”, enquanto o segundo, consequência negativa do primeiro, para os já por nós denominados “forjadores da política”, assenta no direito de punir, ou seja, “o direito de fazer pagar pela sua transgressão aquele que transpõe os limites da Lei da Natureza”. E diríamos mais na altura, por incrível que pareça, que a transgressão moral é sempre atribuída aos mais fracos, aqueles que alimentam as máquinas pesadas do Estado, astuto na imunidade dos que detêm o próprio poder. Por isso, a nossa apreensiva cautela continua, no que toca a defensores de indexações circunstanciais (nunca por culpa deles), esguios aos princípios de justiça – premeditadamente situados entre a carência e a abundância – defendidos por John Rawls: “Cada pessoa terá direito igual ao mais vasto sistema total de liberdades básicas iguais compatível com o sistema similar de liberdade para todos”. Antes pelo contrário, continua-se a assistir ao proliferar de uma paupérrima dialéctica, porque assente na má formação (ética e) de carácter, milenarmente “moldado” pelas três disposições aristotélicas, porque por ele pensadas: “duas são perversas, a que é por excesso e a que é por defeito, e uma é a da excelência, a qual corresponde à posição intermédia”. Nos tempos que correm, infelizmente, é essa disposição intermédia (excelência) asfixiada pelas disposições do excesso e do defeito, forçando a negação da máxima, também ela aristotélica, de que “o Humano enquanto prático é princípio da acção”. Deveria ser no agir que o mesmo (Humano) se pode cumprir na sua possibilidade extrema, como ser ético ou reconhecer a política como arte e não como ciência. E esse propósito ou “disposição” falta a muitos dos nossos políticos, porque eticamente mal formados.
Apesar de estarmos longe de nos alvorarmos em “doctus cum libro” e desprovidos de qualquer química oculta de possíveis “vidências” – continuando essas faculdades a serem servidas em discursos engalanados pelos “fazedores de opinião”, em televisionadas ou discursivas “masturbações” –, escreveríamos um mês mais tarde, Julho de 2012, a propósito de apelativas licenciaturas denominadas de “não caso” para Passos Coelho – hoje no caminho da anulação, porque “caso” para o Ministério Público –, que nunca chegamos a embarcar em facilitismos, porque sempre achamos que o conhecimento deve ter por objectivo o pensamento humano e a relação deste com os seus objectos, e não por abjecto “parecer sem o ser”. Infelizmente, o “clube dos doutores e engenheiros” pela aparência, continua a ser a única saída para aqueles que estão vocacionados, única e exclusivamente, para o “ser aparente”, remetendo para um plano secundário o conhecimento, enquanto actividade pela qual o homem toma consciência dos dados da experiência e procura compreendê-los ou explicá-los. Deveriam ter em conta que o conhecimento é sempre “em si mesmo” uma actividade teórica e desinteressada, isto é, satisfaz um puro desejo de saber, sem se preocupar com a sua utilidade prática. Só o conhecimento “desinteressado” permite (empiricamente) uma acção eficaz. E isto parece que os nossos políticos não entendem ou procuram não entender. Daí, porque mal formados intelectualmente, a mediocridade de alguns dos governantes, deputados e dirigentes partidários – com as devidas desculpas pela repetição, porque cíclica e impulsiva.


Um ano depois, Julho de 2013, dá-se um grande alvoroço no “galinheiro”. Sai Vítor Gaspar, o ministro da palavra lenta que falhava as previsões, o mesmo que em Julho de 2011, mal chegado às Finanças, atirou a matar sobre a gestão do anterior governo, acusando-a de ter deixado um desvio “colossal” nas contas públicas. E de nada lhe serviria a presunçosa faceta de – aos dezassete anos de idade – ter lido na íntegra O Capital de Karl Marx, levando-o a ser portador de pouca eficácia nas previsões e “desastroso” no seu papel enquanto ministro. Até as “gasparianas” condições meteorológicas, acompanhadas pelas “cavaquistas” intervenções sobrenaturais de Fátima e S. Jorge, serviriam para justificar o injustificável. Quando tudo parecia caminhar em sentido perfeito, eis que Vítor Gaspar, depois de duas goradas tentativas, bateu com a porta à terceira, pedindo uma “inadiável” demissão, exigindo que as suas razões fossem tornadas públicas: “O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto ministro das Finanças./ Os grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a profundidade e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira. No entanto, o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves. Requerem uma resposta efectiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa parte exigem a rápida transição para uma nova fase de ajustamento: a fase do investimento! Esta evolução exige credibilidade e confiança. Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de assegurar. O sucesso do programa de ajustamento exige que cada um assuma as suas responsabilidades. Não tenho, pois, alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem. (…) Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão do Governo. É minha firme convicção de que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a coesão da equipa governativa” – assim, o supra-sumo, o infalível, o eficaz “capataz da troika”, acabaria por morrer na praia, escancarando “portas” que poriam a nu fragilidades e incompetências, levando-nos à descrença nas crenças de muitos dos frágeis pilares daqueles que pretendendo ter a razão, quando normalmente dela são desprovidos, mais não são do que “cangalheiros” das democracias. Depois da “apalhaçada” (com as devidas desculpas para os verdadeiros palhaços, porque nos fazem rir pela positiva) demissão de Paulo Portas, o “panem et circenses” continua: “Apresentei a demissão […] que é irrevogável. Ficar no Governo seria um acto de dissimulação”. Até este acto final, faltar-nos-ia saber desde quando esta dissimulação reinaria no seio do Governo. E não foi preciso esperar muito tempo para que o “irrevogável” mudasse para “revogável” e a dissimulação continuasse: Paulo Portas passa a vice-primeiro-ministro, coordena áreas económicas e reforma do Estado e “rouba” às Finanças as renegociações do memorando da troika… Dizem-nos ser tudo pelo interesse do país. Que país e que povo?
          Resta-nos agora o baque da desactivada “bomba atómica” do acomodado – pacifista, demasiado silencioso para o nosso gosto – inquilino de Belém, qual vida ascética repensando, tal como em Platão, “palavras excelentes e admiráveis. É pensando nisto que considero a posse das riquezas como infinitamente valiosa, não para todo o homem, mas para o sensato e prudente: não enganar, nem mentir, mesmo de modo involuntário, nada dever…” (A República, 331b). Tal como diria a gente do Vale, mente passada à pena pelo nosso amigo e extraordinário contista Domingos da Calçada: Quijés portestar; Ah, grande caráfio! T’arrenego, ‘stafermo! Súme-te, arelho dos diabos!

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