Friday, August 02, 2013

Romance premiado de Paula Teixeira de Queiroz, apresentado na Feira do Livro de Viana do Castelo!

“Paula Teixeira de Queiroz é uma advogada da capital que nasceu nos Arcos de Valdevez, nas franjas do Soajo e da Peneda onde o tempo acontece e passa de um modo diferente do de Lisboa. Alberga em si a vivência cosmopolita e febril da cidade e a calma serena e simples da aldeia”

Manuel Franco Pita

Há evidências que jamais poderão vir a ser explicadas, se condicionadas pela estreiteza de horizontes – visionários ou não – de muitos daqueles que olham para os outros, acomodados na sua “ego-presunção” de “fisiognomonistas”. Por termos sofrido na pele a síndrome de um desses “cardialíssimos” e/ou “ressabiados cultores de pacotilha”, que num determinado dia aventara a melhor qualidade de escrita em Miranda Rebôlo, por “imperativo comparativo” com a nossa condição de escritor metalúrgico, de rosto visível e forjado pela tempera da “ferrugem”, quando na verdade ambos se fundiam na mesma pessoa. É por isso que antes de conhecermos pessoalmente qualquer escritor ou escritora procurarmos, antes de mais, auscultar-lhe a alma criativa da imaginação. Só depois disso é que fazemos a “acostagem” ao porto de abrigo do criador(a). Assim aconteceu com Paula Teixeira de Queiroz e o seu premiado – Prémio Literário Aldónio Gomes 2013: Departamento de Línguas e Cultura da Universidade de Aveiro – romance «A Bruxa de Grade», recentemente apresentado na 33.ª Feira do Livro de Viana do Castelo, numa brilhante apreciação crítica do médico e nosso particular amigo/irmão Manuel Franco Pita.

Na mesa (da esquerda para a direita): Manuel Franco Pita (apresentador); Paula Teixeira de Queiroz (autora); Américo Carneiro (Academia de Letras e Artes - ALA); e José Lacerda e Megre (Clube dos Poetas Vivos).

Apesar de termos a vincada ideia – como parte integrante do nosso ideário – de que a biografia de um escritor é a sua obra, apraz-nos dizer, em traços simples, que Paula Teixeira de Queiroz nasceu em Arcos de Valdevez e vive em Lisboa. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e é advogada de profissão. Concluiu o curso de Tradução no ISLA e trabalhou na Apimprensa – Associação Portuguesa de Imprensa, em Assuntos Europeus, representando os editores de jornais e revistas em Bruxelas na EMMA (European Magazine Media Association) – e na ENPA (European Newspaper Publishers Association). Foi lobbyist no Parlamento Europeu e Comissão Europeia. Em 1996 fez o curso de Desenho com o escultor Sebastião Quintino na Sociedade Nacional de Belas Artes. Para além de ser cronista em vários jornais, publicou as seguintes obras: Contos do Destino e do Desatino (Opera Omnia, 2010); Contos de Amor e Desamor (Animedições, 2012); e, presentemente, A Bruxa de Grade (Animedições, 2013), como já anteriormente referimos, foi «Prémio Literário Aldónio Gomes» no corrente ano.
Falando agora d’A Bruxa de Grade, tomados pela consciência de uma leitura que fizemos na diagonal, com a promessa de uma leitura aturada nas férias que ora iniciamos, sentimo-la (à escritora, claro!) – fazendo nossas as palavras de Manuel Franco Pita, no dia da apresentação – como uma “pessoa sensível que é e que olha o mundo com olhos de ver e não apenas de olhar, interiorizando não apenas o indivíduo mas também a sua circunstância e o modo de ele a absorver e interagir com ela”. São assim os verdadeiros escritores: observam, interiorizam e interagem com as personagens. Daí, concordarmos com Mário Cláudio quando se referia ao facto – e talvez a propósito dos contos de Paula Teixeira de Queiroz – de se deparar “com um belíssimo conjunto de ficções, atento aos seres e enganos da vida, e de uma qualidade formal que raramente me chega às mãos”, pressupondo a anuência da qualidade de escrita desta mulher que “alberga em si a vivência cosmopolita e febril da cidade e a calma serena e simples da aldeia”; e com a interiorização de Manuel Franco Pita que no dia da apresentação nos revelaria a percepção de estarmos perante uma “novela [que] flui como um rio, mais tumultuoso que calmo, com os acontecimentos sucedendo-se, prendendo o leitor ao enredo e com as personagens a revelarem-se nas suas grandezas e misérias com a complexidade intrínseca à espécie humana. A história faz-se de personagens vivas que trilham caminhos potencialmente reais e absorventes”. E são muitos os lugares comuns aos nossos próprios passos, levando-nos a ter uma certa cumplicidade física, porque geográfica, e psicológica com as suas multifacetadas personagens, sejam elas suecas, russas, francesas, angolanos, brasileiras – qual Olinda, onde José Eduardo Agualusa, muitas vezes se inspira –, canadianas ou portuguesas. Os lugares calcorreados “obrigam-nos” a fazer parte do enredo, por nos sentirmos agentes na acção: “No ano seguinte voltou a Âncora e no outro e no outro. Davam longos passeios até à Gelfa, onde havia um forte em ruínas… Ouvia a ronca em noites de nevoeiro e acabava por adormecer com aqueles sons que perdurariam nos seus sonhos até ao ano seguinte” (p. 12); “A ansiedade traía-a, só podia ser fruto do seu estado de espírito, ali, no fim do mundo, na Gelfa, em frente à praia de Âncora. Das casas dos pescadores, de que se lembrava na sua infância, agora só existem prédios de mau gosto apenas suportáveis à noite, quando o néon das luzes do paredão as ofuscava…” (p. 14); “Galgou o caminho de areão até à estrada de asfalto, onde se sentou no abrigo à espera da camioneta para Viana. Aí apanharia a outra, do Cura, para Arcos de Valdevez, e ainda a do Salvador para Grade” (p. 19); “campo, praia, acampamentos no parque Peneda-Gerês, os espigueiros de Soajo sempre o tinham fascinado, podia ficar horas sentado na pedra quente encostado a um pilar a olhar a serra” (p. 26); “estava acampado no Mezio, na altura um paraíso: a fonte das Sete Bicas, as casas do guarda onde vendiam mel, o abrigo de pedra na casa de cima, as galinhas a cacarejar com o rafeiro atrás a soltar latidos de gozo…” (p. 28); “Muita água correu no rio da aldeia, muitas neves coroaram a Serra da Peneda” (p. 61); “Quem lhe dera ver-se já em casa, de preferência na casa da Gelfa…” (p. 227), etc., etc… Outros lugares, outras gentes e outras tantas emoções perpassam pel’A Bruxa de Grade, a ponto de Manuel Franco Pita afirmar que “nas próprias palavras da autora o tema central da «Bruxa de Grade» é o misticismo, a premonição, o não visto mas sentido”.
             

              É evidente que não é nosso objectivo retirar aos potenciais leitores de Paula Teixeira de Queiroz, o prazer da leitura desta obra, onde “personagens mundanos e rurais cruzam-se num ritmo alucinante”, tendo em conta a livre interpretação de cada um. Entendemos que o livro depois de impresso passou a ser “propriedade” dos leitores, competindo-lhes interagirem com os lugares e as personagens. Por isso, ficamo-nos por aqui. Contudo, por obrigação do nosso “consciente activo”, recomendaremos o livro e autora, num propósito de testemunho, partilha e cumplicidade!

1 comment:

Unknown said...

Acabei neste preciso momento de ler o livro. É uma mistura estonteante de romance policial ao melhor estilo de Agatha Cristie, com diversas descrições de um detalhe minucioso e inebriante de cenas passadas nas fraldas da Serra da Peneda, perto de Arcos de Valdevez, Salvador da Bahia e Recife, a França da emigração portuguesa e, não esquecendo, a zona da Gelfa, nas cercanias de Vila Praia de Âncora. Mas, acima de tudo, o que cativa é a verossimilhança de tudo, a solidez da descrição e o contexto de todos os personagens. Tudo e todos se encaixam, nada destoa, mesmo as personagens de índole mais rebuscada. Uma grande, enorme obra da literatura portuguesa contemporânea. Parabéns, Paula Teixeira de Queiroz!