Thursday, April 24, 2014

Que liberdade quarenta anos depois?!...

“Vamos tendo desilusões porque nos atiramos para o colo de messias que não o são… Uma eleição, um acto eleitoral que vem, parece que vai chegar o messias, e o messias não chega, não vem por ali. A salvação da História nunca veio de cima, vem sempre de baixo. Acredito nos milagres feitos por gente comum e corrente, que ao estar na vida de outra gente faz sempre a diferença”.

Frei Fernando Ventura

Estávamos longe de imaginar um malabarismo de circunstância, em trapézio sem rede, quando o director do jornal «Cardeal Saraiva» nos sugeriu, quase por “obrigação”, duas linhas a propósito dos quarenta anos das “portas que Abril abriu”.
Apesar de nunca termos feito nada por obrigação, e muito menos quando de artigos de opinião se trata, resolvemos romper com este princípio basilar da nossa “clarividência objectiva”, por uma questão de terapia cognitiva, quando nos é dado saber das fragilidades desta desvirtuada democracia, irrespirável e balizada por balões cheios de nada e vazios de tudo. Dado nunca termos esperado pelos apregoados messias – sejam eles os salvadores na política ou objectores de consciência, nos palanques salvíficos das televisões –, conscientemente, sentimos que, quarenta anos depois, vivemos uma falsa liberdade encapotada por uma ditadura disfarçada de democracia. E esta aparente “agressividade” já teve dias piores, principalmente quando ainda tínhamos a correr nas nossas veias o ajindungado suco de uma irreverente juventude, habituada a ser metralhada pelos mais desconcertantes cenários deste país de brandos costumes, cujos governantes e uma grande parte dos políticos sempre procuraram atenuar as suas incapacidades e má formação – sem excluir a ética –, com a crise mundial. Em quarenta anos, nada disto mudou. E os devedores continuam a ser os contribuintes, “gente comum e corrente, que ao estar na vida de outra gente faz sempre a diferença” – no dizer de Frei Fernando Ventura.

Primeira manifestação em liberdade em Viana do Castelo

Quarente anos depois, a democracia (?) vive de balões de ensaio, e fazendo nossas as palavras de Paulo Morais, cujos “partidos assumiram o papel de representantes das corporações que já funcionavam em Portugal no tempo da ditadura. As estruturas corporativas são hoje muito mais fortes porque têm uma aparente legitimidade democrática”. E as novas corporações estendem-se hoje um pouco por todo o país, alimentadas pelos tentáculos do poder central, a maior das corporações, forjando leis nos gabinetes particulares, acabando por as imprimir com o cunho democrático, na sede da democracia, anti-sísmica, tomada por dentro pelos coveiros da própria democracia. Daí, pessoas sem qualquer qualidade moral, continuam a ser eleitos com a finalidade de fecharem as “portas que Abril abriu”.
Era a nossa inesquecível Natália Correia que dizia que “quando a crise não é gerada de grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia”. Agonia de um povo que Miguel Torga vaticinara como um país que se ergue “indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”. Literalmente assim, sem tirar nem pôr.
Pede-nos o director, algo sobre o 25 de Abril, quarenta anos depois, e ficamos impotentes perante a nossa falta de criatividade para falarmos de cravo vermelho ao peito, reclamando a liberdade que não temos. Talvez daqui a uns anos, depois de nos termos habituado ao corte do feriado do 5 de Outubro – data memorável para os republicanos, mas mais para todos os portugueses que viram através do Tratado de Samora, o nascimento de Portugal – e do 1 de Dezembro (libertador e restaurador da nossa identidade), consigamos perceber as intenções neoliberais destes “vendilhões de pacotilha”, quando decretarem o fim do dia comemorativo das “portas que Abril abriu”. Se já alguém sugeriu a suspensão da democracia por algum tempo, porquê tanta admiração para tal vaticínio. Será que não se lembram? Ou estaremos nós a ficar senis? 
Pela falta de inspiração libertadora, terminaremos com as mesmas palavras do Frei Fernando Ventura (tomando-as como nossas), em entrevista à TVI, na passada Sexta-Feira Santa, 18 de Abril: Apesar de estarmos próximos do 25 de Abril, se calhar só nos resta celebrar a liberdade e recordar a liberdade, porque neste momento não somos livres! 

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