Friday, July 04, 2014

Livre Arbítrio ou Liberdade?!...

“Uma vez que a liberdade de acção é a liberdade de fazer aquilo que queremos fazer, o livre arbítrio é a liberdade de querer o que queremos querer”.

Susan Wolf

O conceito de Livre Arbítrio ou Liberdade, apesar da sua complexidade, é sempre um tema que nos induz à possibilidade de autodeterminação e de escolha. Mas, se tomarmos em conta essa mesma complexidade – considerada em si e na sua própria história –, logo constataremos dificuldades de vária ordem. Tendo em vista o lado do sujeito, entendê-la-emos como, já atrás referimos, possibilidade de autodeterminação e de escolha, acto voluntário, espontaneidade, indeterminação, ausência de interferência, liberdade de impedimentos, realização de necessidades, direcção prática para uma meta, propriedade de todos ou alguns actos psicológicos, ideal de maturidade, autonomia sapiencial e ética, razão de ser da própria moralidade – citamos Joaquim de Sousa Teixeira. No entanto, pelo lado do objecto, o conceito de Liberdade apresenta-se-nos privada ou pessoal, pública, política, moral e social. Isto se tivermos em conta a liberdade de acção, de ideias, de pensamento, de circulação, de comércio, de palavra, de culto, de associação, etc. Com estas e outras designações, a Liberdade prende-se, entre outros, com os conceitos de livre arbítrio, razão, acto, autonomia, vontade, “boa vontade”, consciência moral, dever, determinação, determinismo, indeterminismo, indiferença, compatibilismo e incompatibilismo, responsabilidade moral, etc.


No seu carácter histórico e/ou antropológico, a Liberdade pode aplicar-se analogicamente ao mundo animal. Contudo, dada a vida animal não passar de uma sucessão de comportamentos (reage), e só a vida humana se apresentar como actividade ritmada (age), a ideia de Liberdade só ganha significado quando aplicada ao homem. A propósito de tudo isto – e tendo em conta a diferença entre o agir e o reagir –, Joaquim de Sousa Teixeira, alega que muitas são as questões antropológicas que se colocam: Foi o homem sempre livre? Quando e por que é que se deu o «salto» para a racionalidade e liberdade fundamentais como hoje as entendemos? Na caminhada ascensional da Humanidade para a Liberdade, como é que se interligam os fenómenos mutantes fisiológicos e ambientais? Assim, e tendo em conta este raciocínio, tornar-se-á impossível falar de humanidade sem uma racionalidade e liberdade radicais. Por isso é que, nos tempos que correm, e ainda segundo Joaquim de Sousa Teixeira, “a liberdade na sua essência e como valor, sobretudo pelas necessárias implicações metafísicas que acarreta, não pode ser abordada por métodos positivos de verificação”.
Apesar de já Aristóteles ter admitido que todos os «seres físicos» têm uma espontaneidade real, pois contêm em si o princípio dos seus actos, sem o pressuposto da racionalidade não se pode falar de vontade e de liberdade, mas de impulso ou apetite animal e de espontaneidade decorrente de uma natureza. Abordando o conceito de liberdade pelo lado da racionalidade, facilmente seremos levados a afirmações como a de que o homem é tanto mais livre quanto mais responsável for. Esta e outra afirmações desta natureza – e tal como afirmara São Tomás de Aquino: “a raiz última da Liberdade é a razão”, só fazem sentido quando pertencentes ao plano ético, moral e mesmo político.
Até chegarmos à contemporaneidade, muitos foram os que se debruçaram sobre o conceito de Liberdade e de que são exemplo, entre outros, Santo Agostinho; René Descartes – Se eu conhecesse sempre o que é verdadeiro e bom, … seria inteiramente livre, sem ser, jamais, indiferente; Leibniz – Qualquer substância tem perfeita espontaneidade, que se torna liberdade nas substâncias inteligentes; Espinosa; Auguste Comte – A verdadeira liberdade consiste em fazer prevalecer as boas inclinações sobre as más; Immanuel Kant; Henri Bergson; Jean-Paul Sartre – A liberdade não tem essência; ao contrário, é ela que constitui a base de todas as essências. A liberdade apresenta-se-nos, assim, tão difícil de definir, constituindo no entanto, para cada um de nós uma experiência e/ou uma representação tão familiar quanto indiscutível.
Se tomarmos em linha de conta que ser livre, por exemplo, significa não ser impedido de fazer o que se quer ou dizer sem receio o que se pensa; a ausência de qualquer coacção externa; somos confrontados com o seu sentido original. Segundo Élisabeth Clément [et al.], por exemplo, os estóicos esforçaram-se por pensar a liberdade independentemente de qualquer condição exterior. A concepção estóica orienta, desta forma, a reflexão teórica numa direcção nova e fecunda, a ponto de toda a filosofia clássica afirmar a liberdade como a independência interior e a capacidade moral de se determinar seguindo unicamente os conselhos da razão e da inteligência não revelada pela paixão. Hoje, coloca-se outras tantas interrogações adicionais de modo a que a nossa liberdade “obedece” ao princípio da lei da causalidade, que rege todos os fenómenos, supressora de qualquer indeterminação, ou seja, da ciência experimental segundo o qual existem relações necessárias entre os fenómenos, de tal forma que cada fenómeno é rigorosamente condicionado pelos que o precedem ou acompanham (Determinismo) – Assim, os exemplos tipo Frankfurt têm a importante função de «afastar» o «debate» de considerações acerca da relação entre determinismo causal e possibilidades alternativas. O que agora se torna importante é considerar se o determinismo causal na sequência efectiva pode com plausibilidade ser visto como eliminando «directamente» a responsabilidade moral, independentemente de considerações relativas às possibilidades alternativas – citamos John Martin Fischer; ou, antes pelo contrário, a liberdade é estabelecida pela vontade humana (Indeterminismo), e de que é exemplo, essa «vontade de poder» que Nietzsche afirmaria. É precisamente nesse sentido, e perante muitas das interrogações colocadas, que um dia nos propusemos a estabelecer um “confronto saudável” entre a noção da «liberdade da vontade e o conceito de pessoa» em Harry G. Frankfurt e «a sanidade mental e a metafísica da responsabilidade» em Susan Wolf. E acreditem que a viagem até à contemporaneidade, através destes dois autores de gerações diferentes, foi uma experiência maravilhosa.
        Para terminarmos, uma questão fica no ar: Será que a liberdade de fazer é o mesmo que a liberdade de querer?

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