Friday, August 07, 2015

«Ponto de Encontro» com José Eduardo Agualusa e o Livro dos Camaleões»!...

«Agualusa diverte-se e diverte-nos com o facto de ter talento para a felicidade. E não haverá, na língua portuguesa contemporânea, outro caso tão flagrante e abrangente. Esse talento está nos seus livros, escritos para raptar o leitor à primeira vista».

Alexandra Lucas Coelho (Público)

É indisfarçável a venerável admiração – sistemicamente quase doentia – que sentimos pelo excelso escritor angolano José Eduardo Agualusa. Tal adjectivada afirmação nunca será exagerada porque o Agualusa é dos poucos escritores que nos faz respirar África, sentir o cheiro e ter o rio “colado ao horizonte, cintilante e mudo, como uma miragem”. Uma agradável miragem, porque sonhada e vivida.
   

De uma forma sucinta, lembrando-nos d’A sombra da mangueira em «O livro dos camaleões», onde também nós, tal como o Construtor de Castelos fechamos “os olhos o tempo suficiente para que o capim crescesse e engolisse tudo, e quando os voltava a abrir encontrava o mundo igual”, teremos de dizer, principalmente para os mais distraídos, que José Eduardo Agualusa nasceu no Huambo, Angola, em 1960. Estudou Silvicultura e Agronomia em Lisboa, Portugal. Os seus livros estão traduzidos em 25 idiomas. É autor de uma obra que percorre o romance, novela, contos e literatura infantil. Conquistou numerosos prémios, entre os quais o “Grande Prémio de Conto da APE” e o “Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian”. Escreveu várias peças de teatro: “Geração W”, “Aquela Mulher”, “Chovem amores na Rua do Matador” e “A Caixa Preta”, estas duas últimas juntamente com Mia Couto. Beneficiou de três bolsas de criação literária: a primeira, concedida pelo Centro Nacional de Cultura em 1997 para escrever «Nação crioula», a segunda em 2000, concedida pela Fundação Oriente, que lhe permitiu visitar Goa durante 3 meses e na sequência da qual escreveu «Um estranho em Goa» e a terceira em 2001, concedida pela instituição alemã «Deutscher Akademischer Austauschdienst». Graças a esta bolsa viveu um ano em Berlim, e foi lá que escreveu «O Ano em que Zumbi Tomou o Rio».
No início de 2009 a convite da Fundação Holandesa para a Literatura, passou dois meses em Amesterdão na Residência para Escritores, onde acabou de escrever o romance, «Barroco tropical». É membro da União de Escritores Angolanos e tem mais de uma dezena de romances publicados, dos quais destacamos os cinco últimos: «Milagrário Pessoal» (2010); «Teoria Geral do Esquecimento» (2012); «A Vida no Céu» (2013); «A Rainha Ginga» (2014); e, mais recentemente, «O Livro dos Camaleões» (2015), qual caminho para África onde “cruzam-se personagens em busca de uma identidade, ou em trânsito de identidade, atravessando várias épocas, do século XIX aos nossos dias, e diversas geografias, das savanas do sul de Angola às ruidosas ruas do Rio de Janeiro”. Neste magnífico livro juntam-se contos que permaneceram por vários anos dispersos em jornais, revistas e antologias, físicos e virtuais, em Portugal e no Brasil: Lendo Agualusa ficamos entre o gozo do espaço onírico, do não real, e de surpreendentes retratos de personalidades já conhecidas – e que reconhecemos –, obra de pequenos delírios, de magníficas citações adaptadas à vida dita normal, ao quotidiano, para logo sermos entregues, abandonados, à crueza rude dos referenciais históricos, por exemplo das últimas décadas angolanas (António Loja Neves – In, Revista do Expresso, Edição 2230).


Segundo se pode ler em sinopse, “algumas destas personagens são arrancadas à realidade ou inspiradas em figuras reais. Não se trata de saber onde termina a realidade e começa a ficção. Trata-se de questionar a própria natureza do real”, perpassando pela “primeira noite”; “a sombra da mangueira”; “esquecimento”; “o rio sem nome”; “a boneca cantora”; “o caminho para África”; “o marinheiro e os mascarados”; “a importância de um chapéu”; “a virgem sem cabeça”; “as virtudes da discrição”; “o bom déspota”; “flamantes flamingos, flamengos e flamboyants”; “a Rainha das Abelhas”; e “a última noite”, onde, tal como Sofia, vestimos um casaco e saímos para a rua. No dia em Agualusa se sentia cansado e um pouco triste. De facto, a nossa mãe é a única pessoa que nos ama sem impor condições (…).
Naquele sábado, 25 de Julho de 2015, fomos jantar e tivemos o «Ponto de Encontro» (Sessão de autógrafos) com José Eduardo Agualusa, onde falamos de literatura, da nossa Angola, de sabedorias e paradoxos, de globalismo e tentáculos da corrupção, e de personagens em busca de identidades. Sentimos que tudo está por pontas, em estádio de ruptura, dado que, como diria M. Twain, “a civilização é uma ilimitada multiplicação de necessidades desnecessárias”. Causa-nos sofrimento sentir a nossa Angola sofrer, quase como «A primeira noite» em «O livro dos camaleões», onde “os ritmos tropicais pareciam deslocados, como um filme de terror com a banda sonora de uma comédia romântica”. Noite maravilhosa, onde tomamos consciência plena de que não devemos descer ao nível dos outros, mas facilitar-lhes a aproximação ao nosso.
         Há noites assim!

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