Wednesday, December 23, 2015

«50 Anos / 50 Poemas» em António Carlos Santos!...

«O Poeta esboça o caminho, não tão linear, não tão geométrico assim… O leitor vai atrás deste trilho, sente-lhe o passo, mais rápido aqui, parado para contemplar e amar… ali. Nós, leitores, seguimos-lhe as pegadas!»

Lília Tavares
(In Prefácio, «50 Anos / 50 Poemas»)

Conhecemos o António Carlos Santos há mais de vinte anos, amizade sedimentada em «Café Nocturno», um entre alguns dos programas radiofónicos que realizávamos e apresentávamos numa das rádios locais vianenses, ao tempo, com a parceria especial, porque preciosa, do inesquecível Lucilo Valdez, companheiro de passos comuns, homem do teatro, da poesia (sim, também era poeta!) e da cultura.
Temos acompanhado, ainda que de uma forma discreta, toda a produção literária do António Carlos Santos, sorvendo-lhe a sua veia poética através dos “sons da alma”, porque inspirada no Amor, no mar, na saudade, nas metamorfoses e no renascer. Também lhe encontramos sombras, sofrimento, murmúrios, lágrimas, angústias, turbilhões e desassossego, expressivas introspecções que, logo, no imediato, são desnubladas pela presença afectiva da mulher, a quem o poeta diz ser «Anjo de asas soltas / gota de aconchego, / ventre e regaço, / fusão de sonhos, / e porto de abrigo…»; pelo respirar por inteiro «nas derivas / dum sonho novo, / tão fugaz / quanto eterno…»; pelo amanhecer e silêncio, onde «…nos eternizámos / neste chão despido / e inventámos um vento / para deixarmos estas manhãs incertas.» São essas as carícias e as flores deixadas por António Carlos Santos em «Versos de mel & fel» (2013) e «da Geometria do Amor» (2014).


Debruçando-nos agora sobre o seu mais recente brado poético, «50 Anos / 50 Poemas», anuência nossa ao assumido “acto de contrição” da apresentadora, Lília Tavares, quando se demarcou, e bem, pelos «Registos de um prefácio desnecessário». De facto, como temos vindo a afirmar, por convicção (ainda que subjectiva), a poesia não se explica, mas sente-se. O acto criativo, depois de impresso, deixa de ser do autor para ser de quem o lê. Tal como a Arte, a Poesia é uma actividade humana que consiste em um homem (ou uma mulher) passar aos outros, intencionalmente, a experiência profunda de emoções, espécie de conhecimento de si, através da clarificação daquilo que sente, mesmo quando atropela o tempo: «Escrevo com a tinta que mancha a saudade / em cada linha da palma da mão. / Atiro os silêncios para bem longe / onde rompe o curso dos ventos. / Atropelo o tempo para além das brumas / para me abandonar às sombras…» (p. 13).
Neste «50 Anos / 50 Poemas», António Carlos Santos percorre o tempo, (in)temporalizando-o, numa evolução alquímica: «Moro ao pé da areia / e fora do tempo. / Alquímico… rasgo invernos / na orla do deserto. / Bramo quebradiço e suspenso / nas bóias de chumbo / e na vertigem da liberdade / que marulha solta ao vento! / E morro na parte infinita / que brota das margens…» (p. 55); esotérica: «Sei de mim / dos meus retalhos / dos lamentos / dos abismos / das penumbras / dos instantes / das eternidades / e do mar que me quer…» (p. 63); e, lapidada: «Com o fogo e o vento cravado no peito / vou para onde cantam as folhas gritar a primavera.» (p. 75).


Por aqui perpassam ainda, para além das emoções trazidas dos seus anteriores brados, grãos de areia, voos, pó das estrelas, entre(vivências), sopros existenciais, estradas a percorrer, cinzas do tempo, luas desalinhadas e mares nascentes, carregar em dois tempos e dores de frio, por dores de um país, inspiração íntima em inspiradas preocupações de José Saramago: «Dá-me um país de Homens / sem mentiras… / Dói-me este frio! / Dá-me um país! / Não me dês uma mão vazia / e às vezes… nada.» (p. 25). Simplesmente sublime, porque sentir e dor nossa, também. Não é poeta quem quer, mas quem sabe conversar «com as palavras nuas / enquanto arde o silêncio / em lume passante.» (p. 45), como é o caso de António Carlos Santos, Poeta-Homem que nasceu em Angola em 1964, tendo vindo para Viana do Castelo dez anos depois. Frequentou a Escola de Santa Maria Maior (antigo Liceu) onde teve uma participação activa na Associação de Estudantes e em diversos eventos escolares. Frequentou o curso de História/Ciências Sociais na Universidade do Minho, onde fez parte da Associação Académica. Nesta altura colaborou na fundação do Grupo de Teatro Universitário.
Foi membro fundador da Tertúlia “Viana é Poesia”, e organizou os “Serões do Central” evento que reunia mensalmente três artes: Poesia, Pintura e Música.
Escreve poesia desde o Liceu e, nos últimos anos, foram incluídos poemas seus em Antologia(s) da Moderna Poética Portuguesa.
Segundo ele, debutou, na poesia, com “Versos de Mel & Fel” (2013) título bem recebido pela crítica, com assinalável sucesso de vendas. Publicou em 2014 “da Geometria do Amor” em duas versões: “da Geometria do Amor Poesia & Fotografia”, com a colaboração do fotógrafo vianense Paulo F. Correia, e “da Geometria do Amor Poesia”.
Tem realizado várias sessões de divulgação da sua expressão poética, de norte a sul do país – Viana do Castelo, Lisboa, Porto, Funchal, Guimarães, Vizela, Oliveira de Azeméis, Ovar, Maia, Joane, Granja entre outros – e em comunidades portuguesas no estrangeiro, nomeadamente em Matten e Stans, Suíça e em Toronto, Canadá.
Profissionalmente, António Carlos Santos está ligado ao ramo da distribuição alimentar, assumindo a Direcção Comercial de uma cadeia de supermercados e colabora com estruturas de organização e defesa do comércio independente.
       Desenganem-se aqueles que pensam que o pragmatismo está desprovido de qualquer inspiração lírica, poética. O António Carlos Santos vem demonstrar, precisamente, o contrário. Para bem da cultura e da poesia, de uma forma particular, bem-haja por isso!

Thursday, December 03, 2015

Poeta David F. Rodrigues apresenta “estes cantares fez & som escarnhos d’ora”!...

«[David F. Rodrigues] não se trata de um poeta “vulgar”: conciso na reprodução de imagens, contido no evoluir das palavras, quase tudo pode dizer com uma extraordinária economia de meios, a que não é estranha a distribuição dos elementos significativos poéticos pelo espaço da página»

Luís Fagundes Duarte
(In JL, Outubro de 1985)

Longe de nós embarcarmos nas presumíveis “masturbações” à boa maneira da capital deste “reino” à beira-mar plantado, onde os escritores e poetas se reescrevem uns aos outros, por forma a se sentirem visíveis e candidatos aos prémios que lhes permitirão usufruir de mais uns cobres e do estatuto de “superlativos relativos de superioridade”. Embora isso aconteça na capital, engalanada de “capelinhas”, infelizmente, também por cá, vai havendo alguns resquícios desta síndrome que, face à reduzida dimensão do burgo, se expressam em reduzida visibilidade. Este é o nosso escárnio inicial, antes de passarmos à poética expressão do David, assente na não menos poética expressão do apresentador d’estes “cantares fez & som escarnhos d’ora”, Professor Doutor Luís Mourão, quando afirmou, a dado momento, que a “poesia é uma coisa tão velha que talvez ainda não nasceu”.
Toda esta nossa retórica para dizermos que não é o caso (nem em tal o incluiremos) de David F. Rodrigues, Poeta que tanto apreciamos há mais de três décadas, altura em que relativizávamos a nossa “douta ignorância” (permanente e activa), ouvindo e lendo aqueles que achávamos os melhores entre os melhores, perscrutando-lhes a sensibilidade e a inspiração, em programas radiofónicos por nós realizados e apresentados. Na altura falavam bem alto “O Rito do Pão”, “Dilúvio de Chamas” e “O Que é Feito de Nós”, com prefácio de Mário Cláudio, outro dos tantos “tecelões de palavras” que tanto apreciamos; e as deferências a seu respeito no «10 anos de poesia em Portugal 1974-1984: leitura de uma década», esbate da produção poética dessa mesma década, por Manuel Frias Martins – ao contrário do que acontecia (acontece) com aquela geração mais recuada no tempo, e cujo humanismo, aliás, é continuado pelo optimismo naturalista de um poeta como David Rodrigues… (p. 133) –, quando se referia ao “O Rito do Pão”.


Considerações e/ou devaneios à parte, desta vez vamo-nos debruçar sobre o seu último brado poético «estes cantares fez & som escarnhos d’ora», apresentado publicamente no pretérito dia 25 de Novembro de 2015, na Sala de Actos da Presidência e Serviços Centrais do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, pelo Professor Doutor Luís Mourão, um especialista na área.
Porque sempre achamos que a poesia não se explica, mas sente-se (deixando de ser do autor para pertencer a cada um de nós), a nossa deambulação “crítico-literária” vai no sentido de apenas discorrermos através da nossa sensibilidade e/ou “mimese”. Nada mais!...
Inspirado nas “cantigas de escárnio e maldizer”, assentes nos “sirventeses provençais morais e políticos, sátiras literárias e maledicências pessoais”, sempre arriscaremos em afirmar que David Rodrigues vem, através deste seu magnífico brado poético, demonstrar que continua a haver lugar para a poesia de escárnio, ou seja, “grande poesia política”. Aliás, como afirmou o ilustre apresentador, o escárnio está presente, omnipresente, só porque “somos o escárnio de nós mesmos” e uma poesia de escárnio começa pela própria poesia: «…não / não sou poeta / com licença / de porta aberta / por recusar inscrição / jóia e taxa correspondentes / exigidas pelos oficiais / destarte sem ofício / que todavia sempre pratiquei / sem a devida remuneração de vida…» (p. 13), mesmo quando «…o poeta que falava / pelos cotovelos calou-se (…) anda este orfeu / amigo meu / de corno tal / ou seja dor / que tanto vale / por causa dessa / sabida eurídice / que só visto…» (p. 16-17).
Desprovido – e porque não, despojado – de “cantigas”, David F. Rodrigues aguça, cirurgicamente, o seu olhar (e nosso) para as coisas que foram uma parte de ilusão, politicamente ilusória: «…elas são de facto / como eles as gaivotas / vejam só estado / imundo em que eles / como elas os políticos / deixam os altos poleiros / após terem aí recolhido / os louros acalentos do sol…» (p. 40) e que depois da «casa roubada / troikas à porta / troikas à porta / casa roubada / a moeda da troika / é troikada por miúdos / que depois troikam / cos graúdos da troika / na feira das troikas / fazem-se as troikas / troika por troika / fica-se sempre troikado…» (p. 48).


O tríptico deste magnífico livro, completa-se com o lado metafísico (no dizer sapiente de Luís Mourão: poesia de transformação semântica; máquina lírica, dado que o escárnio também passa por aí; a questão dos cantares terem uma cronologia muito precisa, e aqui não é explicada, etc.), espelhado nos poemas que «são como noites todos estes dias / e vale a pena recordar e repetir / não obstante este sol e céu azul / e uma breve foice de lua rosada / ainda a mostrar-se iluminada» (p. 54), qual negro existencial da nossa condição, creditada na esperança de uma ampla janela por abrir, no tempo e na intemporalidade: «já não ostenta legibilidade a máxima inscrita / na primeira e maior pedra à entrada do templo / durante séculos depois de decifrada foi lida / todos os dias até ser decorada pelos crentes / como única passagem para a vida eterna (…) chegada a hora irmãos do julgamento final / deus ao pesar na justa balança da sua justiça / os vossos pecados não deixará de ter / na devida conta este vosso sacro sacrifício…» (p. 57), mesmo quando David F. Rodrigues intenta em poetar que «prossigo e sempre seguirei / como já disse algures e repito / devagar por maus caminhos / esta é a terra eternamente / virgem concebida sem pecados / e castigos por atalhos e veredas / acompanhe-me assim quem deixar / não quer este paraíso perdido…» (p. 62). Para bem de todos nós, e para a poesia em particular, assim seja, por muitos e muitos anos.  
Apenas umas pequenas notas sobre o David F. Rodrigues, principalmente para aqueles que, inadvertidamente ou não, fazem “vista grossa” à presença efectiva e activa dum dos grandes poetas da nossa região e não só. Voltamos à velha questão da distância física, porque geográfica, da “capital dos forjadores de grandes vultos”, onde deambulam poetas “com licença / de porta aberta”, por não recusarem “inscrição / jóia e taxa correspondentes / exigidas pelos oficiais / destarte sem ofício”.  
Então, aqui vai: David F. Rodrigues nasceu em Mato (S. Lourenço), Ponte de Lima, em Março de 1949. Reside, desde 1985, em Viana do Castelo. Diz-se que, quando foi dado à luz, era dia de Carnaval. Foi necessário um médico, para o retirar, “a ferros”, do ventre materno. É licenciado (1974 em Filosofia e Humanidades (Curso Filosófico-Humanístico), pela Faculdade de Filosofia de Braga, da Universidade Católica Portuguesa. É mestre (1995) e doutor (2003) em Linguística, especialidade de Teoria do Texto, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Foi docente nos ensinos secundário (1972-74) e básico (2.º ciclo – 1973 a 1989) e no ensino superior politécnico (1990-2010). Exerceu o jornalismo em Viana do Castelo, correspondente do jornal Diário de Notícias. É sócio da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP).    
Pena é a recorrência à edição de autor.
         NOTA MÁXIMA!