Monday, June 13, 2016

Cinema versus Televisão: do culto social à solidão familiar!...

«Com a televisão, a rádio transforma-se num veículo mais elucidativo. Só quando fornece informações à vista é que cumpre a sua função – não a única nem talvez a mais importante – de nos possibilitar a observação imediata de que se passa no mundo em que vivemos…»

Arnheim

A curiosidade do homem ultrapassa o alcance dos sentidos. Entre as invenções técnicas que contribuem para diminuir esta disparidade, a televisão é das mais importantes. O surgimento deste novo invento parece simultaneamente mágico e misterioso. Desperta a curiosidade: como funciona? O que nos proporciona?
A televisão é um parente do automóvel e do avião: um meio de transporte cultural. Na verdade, é apenas um instrumento de transmissão que nos oferece novos meios para a interpretação artística da realidade, como o fizeram a rádio e o cinema. Todavia, à semelhança das máquinas de transporte, que foram a dádiva do progresso industrial do século XX, a televisão veio alterar a nossa atitude em relação à realidade: faz-nos conhecer melhor o mundo e, sobretudo, dá-nos uma sensação da multiplicidade de coisas que acontecem simultaneamente em sítios diferentes. Pela primeira vez na história do esforço da aventura humana para o conhecimento das coisas, a simultaneidade pode ser sentida como tal, e não apenas traduzida como uma sucessão no tempo. Os nossos corpos lentos e os olhos míopes deixam de constituir um entrave. Chegamos à conclusão que o lugar em que vivemos é um entre muitos: tornamo-nos mais modestos, menos egoístas.
Quanto mais perfeitos forem os nossos meios de conhecimento directo, mais facilmente cairemos na perigosa ilusão de que sentir é equivalente a saber e compreender.
A televisão é uma prova nova e dura da nossa sabedoria.
A ida ao cinema, essa sala de magia objecto de autêntico culto social durante décadas passa a ser substituída pelo visionamento da televisão desde os programas em família até ao apreciar da série mais sugestiva na solidão individual, impedindo inclusivamente o contacto directo com os seus semelhantes. Deixamos de necessitar de companhia para comemorar ou lastimar, aprender, divertir, aclamar ou protestar. Verificamos que a televisão compensa a presença física real, pois, quanto mais só estiver o indivíduo no seu isolamento, mais precária se torna, em correspondência directa, a situação da balança comercial: uma enorme acumulação de bens, consumidos sem retribuição.


A televisão oferece o produto final de um século de desenvolvimento que saiu do acampamento, do mercado, da arena, das nossas salas de concerto, teatro e cinema, para o actual consumidor solitário do espectáculo. A televisão, que no início da sua actividade foi rival do cinema, passa a ser uma excelente ajuda para a recuperação do “ofício do século XX”. É que, no âmbito da produção audiovisual, o filme continua a ser o principal produto: quer porque pode ser transaccionado em todas as sedes do mercado audiovisual, quer porque pode ser difundido através de sala, televisão, videocassete, videodisco, etc. Chega-se mesmo a um estado de aguda prática filmofágica, que talvez seja inevitável no quadro daquela outra função televisiva essencial que é a de ser a mais prodigiosa cinemateca que alguma vez existiu, com a vantagem insuperável de não ter directores e sub-directores que se crêem e “arrogam” de proprietários das cópias. É caso para dizer mesmo que a televisão, como fazem alguns canais, incluindo a RTP Memória, se limitasse a repor filmes “velhos”, já a sua existência se justificaria.
O vídeo, que é um instrumento adventício, permitiu-nos ver todos os dias e todas as noites esses filmes que são eternos. É assim que podemos gravar, passar, repor, fazer reviver a glória que foi o passado do cinema, ou seja, a televisão (e família) possibilita-nos ter uma cinemateca própria, o que é bem inestimável porque, em cultura, o prazer deve converter-se em haver. Nunca como hoje tivemos tantas possibilidades de aceder ao conhecimento (à posse) do cinema passado e presente, das suas obras mais significativas e também das outras, que são indispensáveis para compreendermos a que ritmo e percentagem esta arte tão jovem tem produzido obras-primas. Outrossim, não é possível negarmos que foi a televisão que desenvolveu as inovações mais surpreendentes da forma cinematográfica nos últimos tempos: do videoclipe ao docudrama sem esquecer o serial.
O cinema teve e superou várias crises que, como todos sabemos, são acontecimentos cíclicos e portanto inevitáveis.
Pensamos voltar a abordar esta temática dado que, ao tempo das nossas deambulações académicas, no plano da «História e Estética do Cinema», chegamos a apresentar um programa, cujos objectivos passavam por reflectirmos e darmos a conhecer a importância do cinema na vida e na cultura humanas; conhecermos a história do cinema, as suas fases evolutivas, os segmentos marcantes do seu desenvolvimento e os marcos da sua consolidação; interpretarmos o papel do cinema face ao aparecimento e afirmação da televisão; identificarmos os novos desafios que se colocam na actualidade a esta arte, nomeadamente, a formação e aculturação de mentalidades de públicos e opiniões e os cultos que potenciam e geram… A massificação da produção e a ditadura dos novos suportes!

No comments: